A esclerose múltipla (EM) é uma doença imunomediada, inflamatória, desmielinizante e neurodegenerativa crônica, que envolve a substância branca e a cinzenta do Sistema Nervoso Central (SNC).

Sua etiologia não é bem compreendida, envolvendo fatores genéticos e ambientais. As interações entre esses vários fatores parece ser a principal razão para diferentes apresentações da EM, bem como diferentes respostas aos medicamentos.
Acomete usualmente adultos jovens, dos 20 aos 50 anos de idade, com pico aos 30 anos, sendo mais rara quando se inicia fora dessa faixa etária. Em média, é duas vezes mais frequente em mulheres e apresenta menor incidência na população afrodescendente, oriental e indígena.
Estima-se que, no mundo, o número de pessoas que têm EM esteja entre 2,0 e 2,5 milhões. A EM é desigualmente distribuída nas regiões do planeta, haja vista que a prevalência e a incidência tendem a aumentar com a latitude, tanto ao norte quanto ao sul da linha do equador, sendo mais alta na Europa e América do Norte e mais baixa na região da África Subsaariana e na Ásia Oriental. Fatores ambientais podem estar relacionados a essa diferença. O Brasil apresenta uma prevalência média de 8,69/100.000 habitantes, e, assim como no mundo, a prevalência varia de acordo com a região de residência do paciente, sendo menor no Nordeste – 1,36 por 100 mil habitantes, e maior na região Sul – 27,2 por 100 mil habitantes.
A evolução da doença, gravidade e sintomas não são uniformes, daí a EM apresentar-se de diferentes formas clínicas (variações fenotípicas). O quadro clínico se manifesta, na maior parte das vezes, por surtos ou ataques agudos, podendo entrar em remissão de forma espontânea ou com o uso de corticosteroide. Os sintomas podem ser graves ou parecer tão triviais que o paciente pode não procurar assistência médica por meses ou anos.
Principais sintomas: Neurite óptica, diplopia, paresia ou alterações sensitivas e motoras de membros, disfunções de coordenação e equilíbrio, dor neuropática, espasticidade, fadiga, disfunções esfincterianas e cognitivo-comportamentais, de forma isolada ou em combinação.
DIAGNÓSTICO:
O diagnóstico de EM é complexo, uma vez que não existe marcador ou teste diagnóstico específico. Ao longo da história, vários modelos foram esquematizados e propostos a fim de orientar e facilitar o diagnóstico dessa doença. Atualmente, os critérios de McDonald, descritos em 2001 e revisados em 2005, 2010 e 2017, são os mais frequentemente utilizados. Em geral, o diagnóstico é baseado na documentação de dois ou mais episódios sintomáticos, que devem durar mais de 24 horas e ocorrer de forma distinta, separados por período de no mínimo um mês, ou seja, disseminados no tempo e no espaço.
Exames radiológicos e laboratoriais, em especial a ressonância magnética (RM), podem, em conjunto com as evidências clínicas, ser essenciais para compor o diagnóstico e excluir outras doenças de apresentação semelhante. O diagnóstico deve ser feito com base nos Critérios de McDonald revisados em 201714. De acordo com esses critérios, não são necessários exames adicionais quando o paciente apresenta dois ou mais surtos; entretanto, qualquer diagnóstico de EM pode contar com exame de neuroimagem (ressonância magnética) e utilizar a presença de bandas oligoclonais (imunoglobulina G – IgG) no líquor em substituição à demonstração de disseminação da doença no tempo.
É considerado surto todo evento reportado pelo paciente ou objetivamente observado que seja típico de um evento inflamatório desmielinizante agudo com duração de pelo menos 24 horas, na ausência de infecção ou febre. O evento deve ser documentado por exame neurológico realizado na mesma época da sua manifestação clínica. Alguns eventos históricos para os quais não haja achado neurológico documentado, mas que sejam típicos de EM, podem prover evidência suficiente de um evento desmielinizante prévio. Relatos de sintomas paroxísticos (históricos ou correntes) devem, no entanto, consistir em múltiplos episódios com ocorrência em período superior a 24 horas.
A disseminação no espaço pode ser demonstrada por lesões à RM seguintes quatro áreas do sistema nervoso central: periventricular, cortical/justacortical, infratentorial e medula espinhal; enquanto a disseminação no tempo pode ser demonstrada pela presença simultânea de lesões captantes de gadolíneo e lesões não captantes em qualquer exame de RM, ou nova lesão hiperintensa em T2 ou captante de gadolínio comparada a um exame de RM prévio.
Após o estabelecimento do diagnóstico, a Escala Expandida do Estado de Incapacidade (EDSS, de Expanded Disability Status Scale) é utilizada para o estadiamento da doença para quantificar o comprometimento neuronal dentro de oito sistemas funcionais: piramidal, cerebelar, tronco cerebral, sensitivo, vesical, intestinal, visual, mental e outras funções agrupadas. O escore final da escala pode variar de 0 (normal) a 10 (morte), sendo que a pontuação aumenta 0,5 ponto conforme o grau de incapacidade do paciente. É utilizada para o estadiamento da doença e para monitorar o seguimento do paciente.
Classificação da Esclerose Múltipla
A observação de que a evolução da doença segue determinados padrões clínicos levou à definição de terminologias para descrever os cursos clínicos da doença, de acordo com a ocorrência de surtos e progressão. Atualmente, a EM pode ser classificada em:
● Esclerose Múltipla Remitente-recorrente (EMRR), caracterizada por episódios de piora aguda do funcionamento neurológico (novos sintomas ou piora dos sintomas existentes) com recuperação total ou parcial e sem progressão aparente da doença.
● Esclerose Múltipla Secundária Progressiva (EMSP), caracterizada pela fase após um curso inicial de remitente recorrente, no qual a doença se torna mais progressiva, com ou sem recidivas.
● Esclerose Múltipla Primária Progressiva (EMPP), caracterizada por agravamento progressivo da função neurológica (acúmulo de incapacidade) desde o início dos sintomas
- Síndrome Clinicamente Isolada (Clinically Isolated Syndrome – CIS), que consiste na primeira manifestação clínica que apresenta características de desmielinização inflamatória sugestiva de esclerose múltipla, mas incapaz de cumprir os critérios de disseminação no tempo por neuroimagem ou líquor. Esses fenótipos podem ainda ser estratificados de acordo com o prognóstico e atividade da doença.
As formas recorrentes (EMRR) e progressivas (EMSP e EMPP) podem ser estratificadas em alta, moderada e baixa atividade, conforme a atividade da doença, considerando a apresentação de surtos e de lesões.
Em termos de tratamento, é importante considerar as quatro medidas principais da atividade da doença: (i) surtos, (ii) lesões a ressonância magnética, (iii) progressão da incapacidade e dano difuso por neurodegeneração e (iv) perda do volume cerebral. Além disso, devem-se considerar os perfis de risco, eficácia do mundo real, preocupações específicas de segurança e riscos associados ao uso de cada medicamento a longo prazo.
Uma vez que o paciente tenha o diagnóstico de CIS, o Protocolo do MS preconiza que o tratamento seja iniciado apenas após a confirmação de EM, conforme os critérios de inclusão nele estabelecidos, bem como que o paciente seja acompanhado a cada 3-6 meses com RM de crânio ou exame do líquor com banda oligoclonal, com o objetivo de identificar o surgimento de novas lesões desmielinizantes ou lesões impregnadas pelo contraste que não apresentavam esta característica antes ou, ainda, o aumento das dimensões de lesões previamente existentes. Qualquer das alterações descritas configura quadro evolutivo, permitindo o diagnóstico precoce de EM.
Crianças e adolescentes:
A EM pode acometer crianças e adolescentes. Nestes casos, recomenda-se que o neurologista solicite uma avaliação para afastar leucodistrofias. Confirmada a doença, pode-se tratar com beta-interferonas (qualquer representante da classe farmacêutica), fingolimode (se o paciente tiver mais de 10 anos de idade) ou glatirâmer. Inexistem ensaios clínicos que tenham incluído doentes desta faixa etária, sendo os melhores estudos de segurança do tratamento de crianças e adolescentes as séries de casos em que se demonstra bom perfil de segurança. A teriflunomida, o fumarato de dimetila, o natalizumabe e o alentuzumabe não estão aprovados para uso por menores de 18 anos, não havendo ensaios clínicos com crianças e adolescentes
Gestantes
Na gestação, as manifestações clínicas da doença ficam mais brandas, com redução relevante da taxa de surtos principalmente no primeiro trimestre; e aumento da incidência de surtos imediatamente após o puerpério. Em casos de evolução favorável da doença (pontuação na EDSS classificada como estável e baixo, baixa taxa de surtos), preconiza -se não usar imunomodulador nem imunossupressor por possuírem perfil de segurança incerto na gestação.
Alguns medicamentos são contraindicados na gravidez ex: teriflunomida e algumas beta-interferonas.
A beta-interferona 1a produzida pelo laboratório Bio-Manguinhos é classificada na categoria de risco B para gravidez, e pode ser utilizada sob recomendação médica. Com relação aos demais MMCD, seu uso deve ser considerado para casos em que a evolução clínica da doença se mostra desfavorável, de forma que os benefícios do tratamento para a mãe superem o risco para o feto. As evidências indicam não haver diferença entre mães expostas ou não expostas a MMCD (IFN-b, glatirâmer e natalizumabe) para a incidência dos desfechos de morte fetal, aborto espontâneo, aborto induzido, anomalias congênitas, nascimentos prematuros e número de nascidos vivos. A indicação do tratamento, à luz das evidências, deve ser feita pelo médico assistente, considerando tanto a saúde da mãe quanto a do bebê.
Há dúvidas acerca dos riscos de amamentar, e os dados disponíveis na literatura sobre o assunto são escassos. O benefício e o risco potencial da amamentação devem ser considerados juntamente com a necessidade terapêutica da mãe. Preconiza-se não amamentar durante o tratamento medicamentoso.
O primeiro estudo prospectivo de gravidez com esclerose múltipla (PRIMS), incluía 254 mulheres com EM (269 gestações). O acompanhamento ocorreu ao longo da gravidez e após 1 ano a partir do parto. Segundo resultados do estudo, puderam concluir uma diminuição significativa de episódios de esclerose múltipla no período gestacional, especialmente no último trimestre da gestação, no entanto, após 3 meses do parto, as taxas de recaídas aumentaram, assemelhando-se às anteriores à gestação (Fig. 2) (CONFAVREUX et al.,1998).
Fortes evidências indicam que o efeito protetor da gravidez pode estar relacionado às alterações imunológicas que ocorrem durante a gravidez normal, gerando certa tolerância a antígenos fetais e a alvos autoimunes, mas também prevenindo infecções por patógenos (GRAHAM et al., 2021)
É correto afirmar que não existe a necessidade de preocupação quanto à capacidade de concepção da mulher com esclerose múltipla, pois o diagnóstico não eleva a probabilidade de partos prematuros ou natimortos, de feitos congênitos ou abortos espontâneos (COYLE, 2016).
TRATAMENTO:
O tratamento da EM pode ser complexo, envolvendo ação coordenada de múltiplos profissionais da saúde, com o uso de condutas medicamentosas e não medicamentosas.
Tratamento medicamentoso: O objetivo do tratamento medicamentoso é a melhora clínica, com aumento da capacidade funcional, redução de comorbidades e atenuação de sintomas. Os glicocorticoides são utilizados para tratar os surtos e mostram benefício clínico a curto prazo, ao reduzir a intensidade e duração dos episódios agudos. As terapias modificadoras do curso da doença (MMCD) visam reduzir as células imunogênicas circulantes, suprimir a adesão destas ao epitélio e, consequentemente, reduzir a migração para o parênquima e a resposta inflamatória decorrente. Existem ainda os medicamentos para o tratamento dos sintomas relacionados à EM.
Tratamento do surto na esclerose múltipla:
Deve ser considerado um surto ou recaída da EM o surgimento de novos sintomas ou piora dos sintomas existentes com duração superior a 24 horas, na ausência de febre, infecção ou qualquer outra causa, após um período estável de pelo menos um mês.
Assim, um surto da EM só é diagnosticado após a exclusão de infecção, principalmente do trato urinário e respiratório, e a diferenciação entre uma recaída e a progressão da doença. O controle dos surtos é um componente crucial do tratamento da EM.
A base do tratamento da recidiva envolve o uso de corticosteroide em altas doses para diminuir a inflamação e acelerar a recuperação do paciente. A posologia de metilprednisolona intravenosa é 1 g diariamente durante 3-5 dias. A equipe multidisciplinar deve ser informada da frequência do surto para que possa avaliar a necessidade de alterar algum tratamento complementar em curso. Ao médico assistente cabe a decisão de escolher e individualizar a duração do tratamento para cada paciente, levando-se em consideração os eventos adversos e seu controle.
O paciente deve ser informado dos possíveis eventos adversos temporários do uso de corticosteroide em altas doses: hipertensão arterial, perturbações gastrointestinais, distúrbios do paladar, palpitação, retenção hídrica, dores no corpo, rubor facial, exacerbação da acne, hiperglicemia e particularmente os efeitos sobre a saúde mental, tais como insônia, labilidade emocional, depressão, confusão e agitação. Os corticoides podem ainda diminuir a resistência imunitária, sendo necessário excluir infecção, principalmente do trato urinário, antes do início da pulsoterapia e acompanhar o paciente, informando-o sobre a observância de qualquer sinal de infecção.
A plasmaférese como terapia adjuvante é eficaz no controle das exacerbações nas formas recorrentes de EM, com base em um único ensaio clínico de Fase I (risco baixo de viés e boa qualidade metodológica, de acordo com as Classes de Evidência – CoE). Com base em um único ensaio clínico de Fase II (risco moderadamente baixo de viés e moderada ou pobre qualidade de delineamento, de acordo com as mesmas CoE), a plasmaférese é possivelmente eficaz para doenças desmielinizantes agudas do SNC (incluindo esclerose múltipla, encefalomielite aguda disseminada, neuromielite óptica e mielite transversa) após não responderem ao tratamento com altas doses de corticosteroide. Contudo, este estudo não incluiu subgrupos de pacientes, o que possibilitaria identificar a eficácia em pacientes com diferentes doenças desmielinizantes.
Medicamentos modificadores do curso da doença:
Beta-interferonas: As interferonas (IFN) são citocinas com funções antivirais, antiproliferativas e imunomoduladoras e podem ser divididas em três classes principais de IFN: tipo 1 (α e β), tipo 2 (γ) e tipo 3 (λ
Acetato de glatirâmer: O acetato de glatirâmer (AG) medeia efeitos imunomoduladores pleiotrópicos capazes de alterar as respostas autoimunes específicas da EM. O mecanismo de ação do AG ainda não está completamente elucidado. Foi demonstrado que o AG diminui a diferenciação de células T17, considerada um dos principais fatores patogênicos para doenças autoimunes do SNC.
Fingolimode: O fingolimode é indicado nos casos de toxicidade (intolerância, hipersensibilidade ou outro evento adverso) ou histórico de falha nas opções de primeira linha. Embora não totalmente esclarecida, a atividade moduladora do S1PR se traduz em um bloqueio da migração de linfócitos T dos linfonodos para o SNC, reduzindo assim a atividade inflamatória e as respostas autoimunes específicas da mielina. Desse modo, o fingolimode reduz os surtos e atrasa a progressão da incapacidade em pacientes com EMRR.
Teriflunomida: é um medicamento imunomodulador, com propriedades anti-inflamatórias, que inibe seletiva e reversivelmente a enzima mitocondrial di-hidro-orotato desidrogenase; evidências sugerem que envolve uma redução no número de linfócitos ativados capazes de migrarem para o SNC.
Fumarato de dimetila: O fumarato de dimetila (DMF, do inglês Dimethyl Fumarate) é um medicamento cujo mecanismo de ação pelo qual exerce efeito terapêutico na EM não é totalmente compreendido. No entanto, sua eficácia clínica tem sido atribuída, principalmente, a um efeito modulador nas células T.
Natalizumabe: O natalizumabe é o medicamento preconizado como terceira linha de tratamento de pacientes com EMRR de baixa ou moderada atividade da doença em que se observou toxicidade (intolerância, hipersensibilidade ou outro evento adverso) ou falha terapêutica aos medicamentos de primeira e segunda linhas. Além disso, o natalizumabe é indicado como primeira opção de tratamento para casos de EMRR em alta atividade da doença. O mecanismo de ação específico do natalizumabe na EM não foi totalmente definido.
Alentuzumabe: O alentuzumabe é preconizado para casos de EMRR com alta atividade da doença em que se observou falha terapêutica ou contraindicação presente em bula ao natalizumabe. Trata-se de um anticorpo monoclonal anti-CD52 IgG1 humanizado que tem o papel de inibir as células que expressam CD52 da circulação.
Tratamento dos sintomas:
A EM é uma doença do SNC com sintomas variáveis em múltiplos outros sistemas. Entre as principais manifestações da EM estão: déficits cognitivos e de memória, disfunção intestinal, tremores, ataxia, espasticidade (que engloba rigidez e espasmos musculares), mobilidade reduzida (a qual pode ocorrer com o declínio gradual da função, devido à fraqueza muscular, espasticidade, alterações de equilíbrio, coordenação e déficits visuais), e fadiga.
O tratamento da EM envolve intervenções não medicamentosas que visam à redução da incapacidade e a melhoria da qualidade de vida, o que, em geral, requer uma equipe multidisciplinar que inclua fisioterapeuta, enfermeiros, psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e médicos de diferentes especialidades. A qualidade da evidência para as intervenções é insuficiente, não sendo possível preconizar condutas terapêuticas específicas para a maioria desses sintomas.
A avaliação e o acompanhamento multiprofissional e multidisciplinar incluem consultas com psicólogo e psiquiatra para tratar depressão e outras manifestações psíquicas; com fisioterapeuta e terapeuta ocupacional, incluindo aconselhamento sobre postura corporal; e com fonoaudiólogo, para distúrbios da fala e complicações afins. Os profissionais da saúde devem incentivar os pacientes a se exercitarem continuamente para obterem benefícios a longo prazo, alertando que exercícios não supervisionados e treinamento de resistência de alta intensidade se associam a risco de lesões. Mas programas de exercícios supervisionados, envolvendo treinamento de resistência progressivo moderado, exercícios aeróbicos em caso de pacientes com mobilidade reduzida ou fadiga e reabilitação vestibular para aqueles com desordem do equilíbrio, além de alongamento e ioga, podem ser medidas benéficas.
As necessidades das pessoas com EM e o tipo de reabilitação apropriada variam. Os fatores que influenciam a reabilitação apropriada incluem a disponibilidade de assistência domiciliar, a localização geográfica, as metas individuais e o tipo de reabilitação necessária. Porém, não se sabe até o momento qual tipo de reabilitação apresenta maior eficácia. Nos casos de fadiga, espasticidade, disfunção intestinal, disfunção erétil e disfunção vesical, devido à complexidade dos sintomas, diagnósticos diferenciais, comorbidades e especificidades da EM, recomenda-se preferencialmente encaminhar o doente para um serviço especializado e que a decisão terapêutica seja individualizada. O tratamento da infecção urinária em pacientes com EM é semelhante ao tratamento de outros pacientes com a mesma infecção.
É estimado que a dor crônica afete mais de 40% dos pacientes com EM. Com relação à dor neuropática, os estudos apresentam alto risco de viés e evidência insuficiente. Deve-se avaliar a dor musculoesquelética, que é comum em pacientes com EM, sendo essa dor usualmente secundária a alterações de mobilidade e postura. A acupuntura é comumente utilizada no tratamento de distúrbios osteomusculares e de dor. Alguns benefícios para função e dor musculoesqueléticas foram demonstrados e alguns eventos adversos foram identificados. A qualidade da evidência para o tratamento com acupuntura foi considerada de nível baixo a muito baixo. Todos os pacientes com EM devem ser questionados acerca do funcionamento intestinal. A origem da disfunção intestinal é muitas vezes multifatorial, envolvendo o uso de múltiplos medicamentos, efeitos colaterais de medicamentos, dieta pobre em fibras, sedentarismo, elementos comportamentais, dificuldade de acesso ao banheiro e alterações neurológicas. A intervenção inicial consiste em mudanças do estilo de vida, da alimentação e do hábito intestinal. Disfunção neurogênica intestinal ocorre em 50%-80% dos pacientes com EM devido a lesões na inervação do cólon e pode se manifestar com constipação ou incontinência fecal, que muitas vezes coexistem.
Transtornos do humor, principalmente depressão e ansiedade, são comuns em pacientes com EM e são muitas vezes desencadeados ou agravados por uma dificuldade em lidar com a doença. O transtorno depressivo tem prevalência entre 36% e 54% e está associado com piora da qualidade de vida, dias de trabalho perdidos, diminuição de adesão ao tratamento e aumento do risco cumulativo de suicídio.
O funcionamento cognitivo (processamento mental de memória, concentração, raciocínio e julgamento) também pode ser afetado. Portanto, meios de triagem, como o Beck Depression Inventory e o 2-question tool, devem ser considerados para rastrear transtornos depressivos, assim como o General Health Questionnaire para detectar transtornos emocionais mais amplos.
A assistência psicológica pode ajudar as pessoas com EM inclusive no controle de sintomas como dor e fadiga. A gravidade da depressão melhorou em nove ensaios clínicos com assistência psicológica, e as intervenções variaram de aconselhamento motivacional à Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) em grupo ou individual, sendo que a maioria dos estudos avaliou a TCC.
Com relação às evidências de intervenções medicamentosas, elas ainda são incipientes e os estudos apresentam pequeno tamanho amostral e muitas limitações. Por isso, muitas vezes os profissionais da saúde se baseiam na literatura da assistência psiquiátrica à população geral; porém, as características da EM podem afetar a segurança, a tolerabilidade e a efetividade do tratamento antidepressivo, sendo necessárias investigações direcionadas e específicas.
A labilidade emocional, também conhecida como efeito pseudobulbar, necessita ser diferenciada de transtorno de humor, pois requer conduta específica e pode ser debilitante, comprometer a funcionalidade e ser acompanhada de outros transtornos psiquiátricos. Um ECR cruzado avaliou a eficácia da amitriptilina comparado ao placebo. Foi demonstrado um benefício clínico relevante em relação ao placebo, sem eventos adversos relatados.
Recomenda-se que se individualize o tratamento de acordo com as especificidades do paciente, observando a resposta, a tolerabilidade e o acompanhamento clínico em cada caso. Além disso, recomenda-se o atendimento especializado dos pacientes com EM e transtorno depressivo. Há evidência suficiente de que o tratamento psicológico é eficaz em ajudar as pessoas com EM a lidar com a sua condição e em melhorar sintomas de transtornos depressivos.
Outras manifestações, como mobilidade prejudicada, oscilopsia, tontura e vertigem devem, se necessário, ser cuidadas conforme a manifestação e as alternativas disponíveis.
Critérios de Interrupção:
Serão considerados critérios de interrupção do uso do respectivo medicamento: a incapacidade do paciente de adesão ao tratamento, a impossibilidade de monitorização dos eventos adversos e a toxicidade (intolerância, hipersensibilidade ou outro evento adverso) do medicamento. O tempo de tratamento ou a troca de medicamento são determinados pela falha terapêutica ou pelo surgimento de eventos adversos intoleráveis, após considerar todas as medidas para sua atenuação. Considera-se falha terapêutica a incidência de pelo menos um surto e evidência de no mínimo quatro novas lesões em T2 ao exame de ressonância magnética no período de um ano, durante tratamento medicamentoso adequado125. Tais critérios são válidos para qualquer dos tratamentos preconizados.
Pacientes de ambos os sexos que planejam conceber e engravidar devem observar as seguintes condutas de interrupção: pacientes masculinos e femininos em uso de teriflunomida devem utilizar métodos contraceptivos eficazes para evitar a concepção devido à teratogenicidade desse medicamento; pacientes em uso de beta-interferona-1a (Avonex® ou Rebif®), fumarato de dimetila e fingolimode devem evitar engravidar enquanto estiverem utilizando estes medicamentos; pacientes que planejam a gravidez devem engravidar somente após dois meses de interrupção do tratamento com fingolimode; pacientes que planejam a gravidez devem engravidar somente após quatro meses de interrupção do tratamento com alentuzumabe; pacientes masculinos e femininos devem adotar medidas contraceptivas adequadas em uso de azatioprina.
O aleitamento materno deve ser suspenso durante cada ciclo de tratamento com alentuzumabe e por quatro meses depois da última infusão de cada ciclo de tratamento.